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Festa do Jazz 2019

 

Pelo meio de uma polémica sem graça a Festa do Jazz 2019 realizou-se pela segunda vez fora do São Luiz. Não vou falar da polémica. Não me interessa. Tenho opinião, mas não me interessa expô-la e não creio que a minha opinião interesse a ninguém. Interessa-me a música, interessa-me o Jazz e disse-o há muitos anos, a Festa do Jazz é um dos acontecimentos mais importantes da cena jazzística nacional, pela fórmula, pelo encontro que proporciona entre os jovens pretendentes a músicos de Jazz, pelo esforço que motiva nas escolas e nos músicos, por tudo.

Ao contrário dos que pensam que as escolas não servem para nada, eu creio que as escolas são fundamentais, ademais num país em que o Estado se esquiva às suas responsabilidades de proporcionar o ensino da música, e o ensino do Jazz tem-se revelado fundamental, não apenas para o Jazz, mas para toda a música. Muitos músicos de rock ou de pop passaram pelas escolas de Jazz, muitos professores de instrumento passaram pelas escolas de Jazz antes de se dedicarem a outras coisas, e muitos jovens simplesmente aprendem a tocar e a gostar de tocar e de ouvir.

Será verdade que a Escola tende a ensinar apenas os cânones, e será verdade que a Escola tenderá a «formatar» a forma de tocar, mas é por isso que há músicos que são melhores e há músicos que são mais criativos que outros.

A Escola serve para os músicos aprenderem a tocar o instrumento, a ultrapassar etapas, evitando que os músicos andem a descobrir coisas que já foram descobertas há décadas. As escolas servem para os músicos aprenderem a ouvir os outros, a conhecer outras coisas, a confrontar ideias, a ganhar disciplina, estimula o conhecimento. Há professores melhores que outros e há escolas melhores que outras, mas sem escola a maioria dos músicos nunca passará de habilidosos.

Haverá acerto na crítica de que as escolas coartam a criatividade, pelo menos algumas, mas o saldo é positivo para a música (e o Jazz), e a realidade deveria poder convencer os iluminados autodidactas, se não fosse a arrogância do autoconvencimento e, com frequência, se eles fossem bons músicos. Evitando que muitos músicos andassem a fazer figuras patetas de em palco, afirmando como novidade o que foi feito há décadas. Mas estudar dá muito trabalho. E (pretender) ser «radical» vende.

Projecto e pertinácia de Carlos Martins, a Festa do Jazz é fundamentalmente o encontro das escolas. Por lá passam todos os anos dezenas de músicos, os melhores de entre os melhores das escolas, e o concurso, por vícios que contenha, possui virtudes inequívocas. E pela Festa do Jazz passaram, ao longo dos anos, alguns dos músicos que hoje dão cartas. (de cabeça, ao acaso, e creio não me enganar) Ricardo Toscano, João Barradas, Francisco Brito, João Capinha, João Mortágua, Luis Cunha, Pedro Branco, Eduardo Cardinho, estão entre eles, mas eu gostaria de assinalar a importância das centenas de jovens que ao longo dos anos passaram pela Festa sem quaisquer pretensões de ganhar qualquer prémio ou sequer ser notado, apenas pelo gozo e pela importância de participar.

A Festa do Jazz tem de continuar! O Capitólio não possui o charme, as possibilidades e a beleza do São Luiz, mas possui uma enorme virtude que é uma excelente acústica. Nada bate o Salão de Inverno na beleza, e no ambiente de festa que proporciona, e quase bastaria a sua luz, mas em termos de som, ele não existe. Como da mesma forma os três (ou quatro ou cinco) espaços de concerto do São Luiz autorizam a Festa como o Capitólio não pode, mas, uma vez mais, o Capitólio tem som. E foi ainda assim que a Festa do Jazz 2019 se realizou no Capitólio. Apresentações das escolas nas tardes de sábado e domingo e concertos nos fins de tarde e noite.


Devido às minhas tarefas como membro do júri das escolas não me foi possível assistir a todos os concertos que completaram a Festa.

Diogo Alexandre Quarteto
Esta foi a primeira vez que assisti a um projecto liderado pelo Diogo Alexandre. Muito jovem, Alexandre é já um baterista singular, no dramatismo que comunica, até na gestualidade. Mas o quarteto que liderou no espaço do Terraço Sunset revelou-o também como um compositor a assinalar. Com ele, André Rosinha, um contrabaixista muito seguro e atento, uma verdadeira «orelha» na sustentação do quarteto, e uma frente de dois sopros: o voluptuoso saxofone de João Mortágua e o acutilante trompete de João Almeida, solistas impetuosos, respondendo com acerto à frescura e ao engenho das composições. Com Alexandre na bateria, dir-se-ia um pianista, nem por um momento se notou a ausência do instrumento harmónico.
Vencendo o desconforto e o desaproprio (também sonoro) do Terraço Sunset do Capitólio, o Diogo Alexandre Quarteto realizou o melhor concerto da Festa do Jazz.

Old Mountain + Demian Cabaud e George Dumitriu
Projecto de Pedro Branco e João Sousa (guitarra e bateria), os Old Mountain apresentaram-se no Capitólio com Demian Cabaud e George Dumitriu. O contrabaixo e a viola permitiram dirimir as arestas de uma música angulosa, mas eu diria que ela não demonstrou a consistência necessária para se afirmar. Diria que ela se pretende impor mais pela radicalidade e pela diferença que pela música, e isso não basta. Os Old Mountain correm o risco de se tornarem apenas e «mais» um projecto experimentalista se não investirem na composição, por dissonantes que as harmonias se construam. Mas elas são necessárias.

Manuel Linhares
Manuel Linhares foi apresentar na Festa do Jazz o segundo disco, Boundaries, construído, como o nome sugere, em cima das margens, do Jazz e da canção. Linhares possui dotes vocais e técnica inequívocos, mas a atracção pela estética pop e canção trai-lo. Os poemas (e aqueles em língua portuguesa em particular, porque são imediatamente assimiláveis), são muito fracos, forçando rimas vulgares, incapazes (impedindo) de comunicar emoção, como um cantor deveria. Depois, acrescendo a essa vulgaridade, Linhares escorrega na forma musical canção nacional, que é quase sempre miserável, como se sabe. Percebe-se que o cantor procure fugir aos standards americanos, e a intenção é louvável, mas ele só poderá fugir à vulgaridade se investir na composição e na poesia. A voz é o primeiro instrumento, mas é também o mais traiçoeiro. Aqui e ali Linhares revela recursos insuspeitados, num concerto agradável, com músicos irrepreensíveis, mas ele tem claramente um investimento a fazer.

Isabel Rato Quinteto
Isabel Rato foi à Festa também apresentar um novo disco, Histórias do Céu e da Terra. Sem grande história, Isabel Rato não conseguiu convencer como autora ou como pianista. Emaranhada numa teia de lugares comuns, Isabel Rato trouxe para o Capitólio uma música desinspirada, mesmo se nela se percebe uma procura que não se atém no Jazz, com elementos folclóricos ou clássicos. O piano revela a sua correcta formação clássica, mas ela nunca ultrapassa essa correcção. A correcção prolonga-se para a composição e os arranjos, mas claramente falta-lhe a chama. É um Jazz que se pretende para um público alargado, e de onde foram retiradas quaisquer arestas, mas nisso se perdeu a alma. Para esse Jazz que se pretende audível Isabel Rato trouxe cantores e o acordeão da jovem estrela João Barradas, mas nem as vozes nem o acordeão ajudaram. Com uma bateria (Jorge Moniz) inexplicavelmente muito alta, em cima dos solistas, apenas João Capinha foi capaz de brilhar.

Ensemble Festa do Jazz
Projecto ambicioso, o Ensemble Festa do Jazz quedou-se pela ambição. Com composições de André Fernandes, Bernardo Sassetti, Carlos Azevedo, Carlos Bica, Carlos Martins, Mário Laginha, Paulo Perfeito, Pedro Moreira, Pedro Guedes e Nelson Cascais, e um grupo de músicos extraordinários, entre veteranos e estrelas em ascensão: Demian Cabaud, José Pedro Coelho, João Mortágua, João Almeida, Tomás Marques, João Grilo, Pedro Jerónimo, Francisco Andrade, José Cruz, Pedro Branco e Pedro Melo Alves, o Ensemble conseguiu destruir todas as composições num marasmo insípido incompreensível, sem que nenhum músico brilhasse, apagando-os, remetendo-os para uns uníssonos sem alma ou dissolvendo-se em arranjos triviais ou obnóxios. 
Pouco tempo para os ensaios ou os arranjos, pouca preparação, falta de liderança, excessiva ambição, o que quer que seja, os músicos rodavam mas o processo e o resultado era o mesmo. Sem groove, sem alma, sem uma tentativa de compreensão dos originais. Apenas dois momentos de algum acerto: no tema de Carlos Bica e o tema de Paulo Perfeito. Tudo o resto se perdeu num oceano de aborrecimento.


Escolas de Jazz médias e superiores
Enfim, se a música dos seniores não correu pelo melhor, já os miúdos me deram um imenso prazer.
Com os todos os contratempos apenas sete escolas tiveram tempo de se candidatar (cinco dezenas de músicos), e quatro escolas superiores participaram no showcase. Os prémios foram para:

mas eu ofereceria da mesma forma uma calorosa menção honrosa pelo esforço de participação e pela alegria de tocar para todas as escolas, professores e jovens músicos que estiveram presentes na Festa do Jazz.
E no próximo ano que a normalidade regresse à Festa do Jazz, porque a Festa do Jazz é precisa.

Festa do Jazz:
Direcção de Carlos Martins
Organização: Sons da Lusofonia

 

Leonel Santos

 

Sáb 1 Jun Lisboa
Capitólio
16.00
  • Encontro Nacional de Escolas
18.00
  • Escolas Superiores
19.30
  • Diogo Alexandre Quarteto
21.30
  • Old Mountain + Demian Cabaud + George Dumitru
22.45
  • Manuel Linhares
Dom 2 Lisboa
Capitólio
16.00
  • Gerajazz
16.30
  • Encontro Nacional de Escolas
18.00
  • Escolas Superiores
20.00
  • Luís Vicente Trio
21.00
  • Isabel Rato Quinteto
22.00
  • Ensemble Festa do Jazz
23.30
  • Prémio Encontro Nacional de Escolas
24.00
  • jam session

Escolas (a concurso)

 

Escolas Superiores